LÉVI-STRAUSS,
Claude. Raça e História. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. [53]-93.
(Os Pensadores, 50).
A contribuição
de Lévi-Strauss, com “Raça e História”, foi oferecer um argumento
capaz de remediar um grave problema da doutrina anti-racista da Unesco. A
solução propagada por Lévi-Strauss
consistiu em demonstrar que a habilidade para realizar progressos culturais não
estava ligada à superioridade de uma sociedade em comparação a outras, mas, ao
contrário disso, à aptidão de cada um para estabelecer intercâmbios mútuos com
outros. Assim, ao tornar os intercâmbios a condição fundamental do progresso, “Raça e História”, estava em perfeita harmonia
com a ideologia da cooperação, cuja divulgação a Unesco desejava promover. Em “Raça e História”,
Lévi-Strauss diz que não se pode
falar em contribuições das raças a civilização, quando se pretende lutar contra
os preconceitos raciais e explica que fazer isto seria caracterizar as raças
biológicas por propriedades psicológicas particulares, o que nos afastaria da
verdade científica, mesmo que estivéssemos definindo-as positivamente, O
"pecado original da antropologia" consiste na confusão entre noção
puramente biológica e produções sociológicas e psicológicas das culturas
humanas. Mas dizer que as contribuições culturais não têm nenhuma relação com a
constituição anatômica e fisiológica não elimina a diversidade de sociedades e
civilizações. Tal diversidade das culturas humanas, diz Lévi-Strauss, corre o
risco de ver os “preconceitos racistas, apenas desenraizados da sua base
biológica, voltarem a formar-se num novo campo”. Lévi-Strauss defende que negar
que existam "aptidões raciais inatas" também não resolve o
problema levantado pela civilização do homem branco, que alcançou progresso
notável enquanto outras raças permaneceram e permanecem atrasadas: e
necessário, então, ir além da negativa e nos "debruçarmos" sobre outro
aspecto, o da desigualdade – ou diversidade das culturas humanas. Quando Lévi-Strauss fala em diversidade de
culturas humanas pode-se considerar sociedades contemporâneas ou sociedades que
se desenvolveram no passado: "a
diversidade das culturas humanas é de fato no presente, de fato também
de direito no passado, muito maior e mais rica do que tudo o que estamos
destinados a conhecer a seu respeito". Mas reconhecer estas limitações não
e suficiente: nas sociedades
humanas existem “[...] forças que trabalham ao mesmo tempo em direções opostas,
umas tendendo para a manutenção e mesmo e mesmo para a acentuação dos
particularismos, outras agindo no sentido da convergência e da afinidade”
(p.56). O estudo da linguagem oferece
exemplos de tais fenômenos. E mais, há as relações recíprocas e a diversificação
interna “[...] não tende a aumentar quando a sociedade se torna, sob outras
relações, mais volumosa e mais homogênea [...]”(p.56). A diversidade adverte o
autor, não deve ser "uma observação fragmentadora ou fragmentada":
ela existe em função das relações que une os grupos, muito mais do que o
isolamento destes. A diversidade das
culturas não e considerada como um fenômeno natural, diz Lévi-Strauss: "a
noção de humanidade, a englobar sem distinção de raça ou de civilização todas
as formas da espécie humana, apareceu muito tardiamente, e teve expansão
limitada". Mas a simples afirmação de igualdade natural para todos contém
algo de enganoso, para o autor: não é possível por de lado, simplesmente, a
diversidade que existe de fato porque não e possível admitir o homem realizando
sua natureza numa humanidade abstrata. Ao contrario, o homem se realiza em
culturas tradicionais e as modificações se explicam em função de situações
definidas no tempo e espaço. Lévi-Strauss critica o "falso
evolucionismo" como uma "tentativa para suprimir a diversidade das
culturas, fingindo reconhecê-las plenamente": a humanidade deve tornar-se
una e idêntica em si mesma. O que existe
como diversidade não passa de etapas ou estágios de um único desenvolvimento. O
autor traça uma diferença entre evolucionismo biológico do "pseudo
evolucionismo", advertindo que quando se "passa de fatos biológicos
para fatos culturais as coisas mudam". O evolucionismo biológico esta
provavelmente carreto para raças e animais, diz o autor, mas não tem a mesma
relação na evolução social e cultural. Pois, argumenta Lévi-Strauss, como vamos
desenterrar crenças, gostos de um passado desconhecido ou como vamos considerar
que um machado dá origem física a outro machado? Lévi-Strauss critica e
evolucionismo que procura estabelecer analogias entre culturas comparando-as
com a civilização ocidental: pois as tentativas de conhecer a riqueza e a
originalidade das culturas humanas, e de reduzi-las ao estado de replicas
desigualmente atrasadas da civilização ocidental, se chocam com outra
dificuldade. As sociedades humanas têm
atrás de si um passado que e aproximadamente da mesma ordem de grandeza. Há se
pode admitir a ideia de etapas do desenvolvimento porque as culturas não são
estáticas, não existem "povos sem história", existem povos do qual
não conhecemos o passado. Lévi-Strauss admite uma concepção que distingui duas
espécies de história para interpretar a diversidade: uma história progressiva,
aquisitiva e outra história sem este dom sintético. A hipótese de uma evolução
para hierarquizar culturas contemporâneas em números casos foi desmentida pelos
fatos quando se pretendia estabelecer analogias. Do mesmo modo, os fatos
demonstram que não se podem traçar esquemas para sociedades que nos precederam
no tempo: "o desenvolvimento dos conhecimentos pré-históricos e
arqueológicos tende a desdobrar no espaço formas de civilização que estávamos
levados a imaginar como escalonadas no tempo", diz Lévi-Strauss para
acrescentar em seguida que o progresso se da aos saltos, não linearmente, tendo
sempre vários caminhos que pode percorrer. A História pode ser cumulativa, em
alguns casos, o que "não é privilégio de uma civilização ou de um período
histórico", diz o autor, exemplificando com á América, aonde se desenvolveram
culturas com História acumulativa. Para
Lévi-Strauss, considerar a América como exemplo de História cumulativa é fruto
de um interesse do homem ocidental em aproveitar certas contribuições dos
Índios Americanos, diz Lévi-Strauss, pois a tendência e considerarmos os
aspectos de uma cultura que tem significação para nós, qualificando-a de
"cumulativa". Mas quando a linha de desenvolvimento de uma cultura
nada significa para nós, nós a qualificamos de estacionária. "Todas as
vezes que somos levados a qualificar uma cultura humana de inerte ou de
estacionária, devemos, pois, nos perguntar se este imobilismo aparente não
resulta da nossa ignorância sobre os seus verdadeiros interesses, conscientes
ou inconscientes, e se, tendo critérios diferentes dos nossos, esta cultura não
é, em relação a nós, vítima da mesma ilusão” (p.73). Esta atitude nos leva a
apreendermos a historicidade de uma cultura não de acordo com suas propriedades
intrínsecas, mas sim de acordo com o número e a diversidade de nossos interesses
que estão engajados nelas. Com isto, Lévi-Strauss quer dizer que não devemos
confundir com imobilismo a nossa ignorância dos interesses verdadeiros de uma
cultura, ao mesmo tempo em que esta por ser dotada de critérios diferentes, tem
o mesmo julgamento de nós. Ou nas palavras do autor: "pareceríamos uns aos
outros como desprovidos de interesse, muito simplesmente porque não nos
assemelhamos". A originalidade das culturas, diz Lévi-Strauss, "reside
mais na sua maneira particular de resolver problemas, de por em perspectivas
valores, que são aproximadamente os mesmos para todos os homens: pois todos
possuem uma linguagem, técnicas, arte, conhecimentos de tipo cientifico,
crenças religiosas", ainda que dosados de maneiras diversas. Para
Lévi-Strauss o fenômeno da universalização da civilização ocidental é
difícil de ser avaliada: “Primeiro, a existência de uma civilização mundial é um fato provavelmente
único na história e cujos precedentes deveriam ser procurados numa pré-história
longínqua, sobre a qual não sabemos quase nada. Em seguida, reina uma grande
incerteza sobre a consistência do fenômeno em questão. Na verdade desde há
século e meio, a civilização ocidental tende, quer na totalidade, quer para
alguns dos seus elementos-chave como a industrialização, a expandir-se no
mundo; e que, na medida em que as outras culturas procuram preservar algo de
sua herança tradicional, esta tentativa reduz-se geralmente às superestruturas,
isto é, aos aspectos mais frágeis e que podemos supor serem varridos pelas profundas
transformações que se verificam” (p.77-78). Adesão ao gênero de vida ocidental se da em
desigualdade de forças o que leva a Lévi Strauss considerar que as sociedades
não se entregam com tanta facilidade e que esta adesão se deve mais a uma ausência
de escolha. E Lévi-Strauss constata o quanto dependemos ainda das imensas
descobertas que marcou o que se denomina, sem qualquer exagero, a
"revolução neolítica"- agricultura, criação, cerâmica e tecelagem. Lévi-Strauss
descarta a possibilidade do acaso nas grandes invenções da humanidade no
passado e diz que a revolução industrial e cientifica do Ocidente "se
inscreve totalmente num período igual a cerca de meio milésimo da vida passado
da humanidade". E nos convida s a sermos modestos antes de pensarmos que
ela esta destinada a mudar-lhe totalmente o significado ou reivindicarmos
prioridades para uma raça, uma região ou uma pais: "e se, como é
verossímil, ela deve estender-se totalidade da terra habitada, cada cultura
introduzira nela tantas contribuições particulares que o Historiador dos
futuros milênios, legitimamente, considerará fútil a questão de saber quem
pode, dentro de um ou dois séculos, reclamar a prioridade para o conjunto. Lévi-Strauss
diz que a diferença entre culturas não pode ser cumulativa ou não, conceito que
além de depender do relativismo de nossos interesses e negado ainda pelo fato
de que: “A humanidade não evolui num sentido único. E se, num certo plano, ela
parece estacionaria ou mesmo regressiva isso não significa que, de outro ponto
de vista, ela não seja o centro de importantes transformações” (p.86). O
principal absurdo de considerarmos uma cultura superior a outra, diz
Lévi-Strauss, consiste no fato de que a medida que uma cultura esta sozinha ela
elabora muito pouco de História acumulativa: "nenhuma cultura esta só; ela
é sempre capaz de coligações com outras culturas, e isso que lhe permite
edificar séries cumulativas. A possibilidade que tem uma cultura de totalizar
este conjunto complexo de invenções de todas as ordens que chamamos civilização
e função do número e da diversidade das culturas com que ela participa na
elaboração – na maioria das vezes involuntária – de uma estratégia comum. Não
se pode, portanto fazer uma lista das invenções particulares diz Lévi-Strauss,
porque a verdadeira contribuição das culturas esta no afastamento diferencial
que elas apresentam entre si; civilização implica coexistência de culturas que
ofereçam entre si o máximo de diversidade, e consiste mesmo nessa própria
coexistência. "Neste sentido, podemos dizer que a história cumulativa é a
forma característica de história desses superorganismos sociais que os grupos
de sociedade constituem, enquanto que a história estacionária — se é que
verdadeiramente existe — seria a característica desse gênero de vida inferior
que é o das sociedades solitárias". (p. 89).
Bibliografia de Apoio:
GOLDMAN, Marcio.
Lévi-Strauss e os sentidos da História. Rev. Antropol.
v.42, n.1-2, p. 223-238, 1999. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-77011999000100012&script=sci_arttext Acesso em 04 jun. 2010.
MENDONÇA, J. L. Autor de "Raça e
História" morre aos 100 anos. Jornal de Angola on line. 5 nov.
2009. Disponível em: http://jornaldeangola.sapo.ao/17/0/autor_de_raca_e_historia_morre_aos_100_anos. Acesso em
04 jun. 2010.