segunda-feira, 1 de outubro de 2012

FICHAMENTO 6


LÉVI-STRAUSS, Claude.  Raça e História. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. [53]-93. (Os Pensadores, 50).

A contribuição de Lévi-Strauss, com “Raça e História”, foi oferecer um argumento capaz de remediar um grave problema da doutrina anti-racista da Unesco. A solução propagada por Lévi-Strauss consistiu em demonstrar que a habilidade para realizar progressos culturais não estava ligada à superioridade de uma sociedade em comparação a outras, mas, ao contrário disso, à aptidão de cada um para estabelecer intercâmbios mútuos com outros. Assim, ao tornar os intercâmbios a condição fundamental do progresso, “Raça e História”, estava em perfeita harmonia com a ideologia da cooperação, cuja divulgação a Unesco desejava promover.  Em “Raça e História”, Lévi-Strauss diz que não se pode falar em contribuições das raças a civilização, quando se pretende lutar contra os preconceitos raciais e explica que fazer isto seria caracterizar as raças biológicas por propriedades psicológicas particulares, o que nos afastaria da verdade científica, mesmo que estivéssemos definindo-as positivamente, O "pecado original da antropologia" consiste na confusão entre noção puramente biológica e produções sociológicas e psicológicas das culturas humanas. Mas dizer que as contribuições culturais não têm nenhuma relação com a constituição anatômica e fisiológica não elimina a diversidade de sociedades e civilizações. Tal diversidade das culturas humanas, diz Lévi-Strauss, corre o risco de ver os “preconceitos racistas, apenas desenraizados da sua base biológica, voltarem a formar-se num novo campo”. Lévi-Strauss defende que negar que existam "aptidões raciais inatas" também não resolve o problema levantado pela civilização do homem branco, que alcançou progresso notável enquanto outras raças permaneceram e permanecem atrasadas: e necessário, então, ir além da negativa e nos "debruçarmos" sobre outro aspecto, o da desigualdade – ou diversidade das culturas humanas.  Quando Lévi-Strauss fala em diversidade de culturas humanas pode-se considerar sociedades contemporâneas ou sociedades que se desenvolveram no passado:  "a diversidade das culturas humanas é de fato no presente, de fato também de direito no passado, muito maior e mais rica do que tudo o que estamos destinados a conhecer a seu respeito". Mas reconhecer estas limitações não e suficiente: nas sociedades humanas existem “[...] forças que trabalham ao mesmo tempo em direções opostas, umas tendendo para a manutenção e mesmo e mesmo para a acentuação dos particularismos, outras agindo no sentido da convergência e da afinidade” (p.56).  O estudo da linguagem oferece exemplos de tais fenômenos. E mais, há as relações recíprocas e a diversificação interna “[...] não tende a aumentar quando a sociedade se torna, sob outras relações, mais volumosa e mais homogênea [...]”(p.56). A diversidade adverte o autor, não deve ser "uma observação fragmentadora ou fragmentada": ela existe em função das relações que une os grupos, muito mais do que o isolamento destes.  A diversidade das culturas não e considerada como um fenômeno natural, diz Lévi-Strauss: "a noção de humanidade, a englobar sem distinção de raça ou de civilização todas as formas da espécie humana, apareceu muito tardiamente, e teve expansão limitada". Mas a simples afirmação de igualdade natural para todos contém algo de enganoso, para o autor: não é possível por de lado, simplesmente, a diversidade que existe de fato porque não e possível admitir o homem realizando sua natureza numa humanidade abstrata. Ao contrario, o homem se realiza em culturas tradicionais e as modificações se explicam em função de situações definidas no tempo e espaço. Lévi-Strauss critica o "falso evolucionismo" como uma "tentativa para suprimir a diversidade das culturas, fingindo reconhecê-las plenamente": a humanidade deve tornar-se una e idêntica em si mesma.  O que existe como diversidade não passa de etapas ou estágios de um único desenvolvimento. O autor traça uma diferença entre evolucionismo biológico do "pseudo evolucionismo", advertindo que quando se "passa de fatos biológicos para fatos culturais as coisas mudam". O evolucionismo biológico esta provavelmente carreto para raças e animais, diz o autor, mas não tem a mesma relação na evolução social e cultural. Pois, argumenta Lévi-Strauss, como vamos desenterrar crenças, gostos de um passado desconhecido ou como vamos considerar que um machado dá origem física a outro machado? Lévi-Strauss critica e evolucionismo que procura estabelecer analogias entre culturas comparando-as com a civilização ocidental: pois as tentativas de conhecer a riqueza e a originalidade das culturas humanas, e de reduzi-las ao estado de replicas desigualmente atrasadas da civilização ocidental, se chocam com outra dificuldade.  As sociedades humanas têm atrás de si um passado que e aproximadamente da mesma ordem de grandeza. Há se pode admitir a ideia de etapas do desenvolvimento porque as culturas não são estáticas, não existem "povos sem história", existem povos do qual não conhecemos o passado. Lévi-Strauss admite uma concepção que distingui duas espécies de história para interpretar a diversidade: uma história progressiva, aquisitiva e outra história sem este dom sintético. A hipótese de uma evolução para hierarquizar culturas contemporâneas em números casos foi desmentida pelos fatos quando se pretendia estabelecer analogias. Do mesmo modo, os fatos demonstram que não se podem traçar esquemas para sociedades que nos precederam no tempo: "o desenvolvimento dos conhecimentos pré-históricos e arqueológicos tende a desdobrar no espaço formas de civilização que estávamos levados a imaginar como escalonadas no tempo", diz Lévi-Strauss para acrescentar em seguida que o progresso se da aos saltos, não linearmente, tendo sempre vários caminhos que pode percorrer. A História pode ser cumulativa, em alguns casos, o que "não é privilégio de uma civilização ou de um período histórico", diz o autor, exemplificando com á América, aonde se desenvolveram culturas com História acumulativa.  Para Lévi-Strauss, considerar a América como exemplo de História cumulativa é fruto de um interesse do homem ocidental em aproveitar certas contribuições dos Índios Americanos, diz Lévi-Strauss, pois a tendência e considerarmos os aspectos de uma cultura que tem significação para nós, qualificando-a de "cumulativa". Mas quando a linha de desenvolvimento de uma cultura nada significa para nós, nós a qualificamos de estacionária. "Todas as vezes que somos levados a qualificar uma cultura humana de inerte ou de estacionária, devemos, pois, nos perguntar se este imobilismo aparente não resulta da nossa ignorância sobre os seus verdadeiros interesses, conscientes ou inconscientes, e se, tendo critérios diferentes dos nossos, esta cultura não é, em relação a nós, vítima da mesma ilusão” (p.73). Esta atitude nos leva a apreendermos a historicidade de uma cultura não de acordo com suas propriedades intrínsecas, mas sim de acordo com o número e a diversidade de nossos interesses que estão engajados nelas. Com isto, Lévi-Strauss quer dizer que não devemos confundir com imobilismo a nossa ignorância dos interesses verdadeiros de uma cultura, ao mesmo tempo em que esta por ser dotada de critérios diferentes, tem o mesmo julgamento de nós. Ou nas palavras do autor: "pareceríamos uns aos outros como desprovidos de interesse, muito simplesmente porque não nos assemelhamos". A originalidade das culturas, diz Lévi-Strauss, "reside mais na sua maneira particular de resolver problemas, de por em perspectivas valores, que são aproximadamente os mesmos para todos os homens: pois todos possuem uma linguagem, técnicas, arte, conhecimentos de tipo cientifico, crenças religiosas", ainda que dosados de maneiras diversas. Para Lévi-Strauss o fenômeno da universalização da civilização ocidental é difícil de ser avaliada: “Primeiro, a existência de uma civilização mundial é um fato provavelmente único na história e cujos precedentes deveriam ser procurados numa pré-história longínqua, sobre a qual não sabemos quase nada. Em seguida, reina uma grande incerteza sobre a consistência do fenômeno em questão. Na verdade desde há século e meio, a civilização ocidental tende, quer na totalidade, quer para alguns dos seus elementos-chave como a industrialização, a expandir-se no mundo; e que, na medida em que as outras culturas procuram preservar algo de sua herança tradicional, esta tentativa reduz-se geralmente às superestruturas, isto é, aos aspectos mais frágeis e que podemos supor serem varridos pelas profundas transformações que se verificam” (p.77-78).  Adesão ao gênero de vida ocidental se da em desigualdade de forças o que leva a Lévi Strauss considerar que as sociedades não se entregam com tanta facilidade e que esta adesão se deve mais a uma ausência de escolha. E Lévi-Strauss constata o quanto dependemos ainda das imensas descobertas que marcou o que se denomina, sem qualquer exagero, a "revolução neolítica"- agricultura, criação, cerâmica e tecelagem. Lévi-Strauss descarta a possibilidade do acaso nas grandes invenções da humanidade no passado e diz que a revolução industrial e cientifica do Ocidente "se inscreve totalmente num período igual a cerca de meio milésimo da vida passado da humanidade". E nos convida s a sermos modestos antes de pensarmos que ela esta destinada a mudar-lhe totalmente o significado ou reivindicarmos prioridades para uma raça, uma região ou uma pais: "e se, como é verossímil, ela deve estender-se totalidade da terra habitada, cada cultura introduzira nela tantas contribuições particulares que o Historiador dos futuros milênios, legitimamente, considerará fútil a questão de saber quem pode, dentro de um ou dois séculos, reclamar a prioridade para o conjunto. Lévi-Strauss diz que a diferença entre culturas não pode ser cumulativa ou não, conceito que além de depender do relativismo de nossos interesses e negado ainda pelo fato de que: “A humanidade não evolui num sentido único. E se, num certo plano, ela parece estacionaria ou mesmo regressiva isso não significa que, de outro ponto de vista, ela não seja o centro de importantes transformações” (p.86). O principal absurdo de considerarmos uma cultura superior a outra, diz Lévi-Strauss, consiste no fato de que a medida que uma cultura esta sozinha ela elabora muito pouco de História acumulativa: "nenhuma cultura esta só; ela é sempre capaz de coligações com outras culturas, e isso que lhe permite edificar séries cumulativas. A possibilidade que tem uma cultura de totalizar este conjunto complexo de invenções de todas as ordens que chamamos civilização e função do número e da diversidade das culturas com que ela participa na elaboração – na maioria das vezes involuntária – de uma estratégia comum. Não se pode, portanto fazer uma lista das invenções particulares diz Lévi-Strauss, porque a verdadeira contribuição das culturas esta no afastamento diferencial que elas apresentam entre si; civilização implica coexistência de culturas que ofereçam entre si o máximo de diversidade, e consiste mesmo nessa própria coexistência. "Neste sentido, podemos dizer que a história cumulativa é a forma característica de história desses superorganismos sociais que os grupos de sociedade constituem, enquanto que a história estacionária — se é que verdadeiramente existe — seria a característica desse gênero de vida inferior que é o das sociedades solitárias". (p. 89).

 

Bibliografia de Apoio:

 
GOLDMAN, Marcio. Lévi-Strauss e os sentidos da História. Rev. Antropol.  v.42, n.1-2,  p. 223-238, 1999. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-77011999000100012&script=sci_arttext  Acesso em 04 jun. 2010.

 
MENDONÇA, J. L.  Autor de "Raça e História" morre aos 100 anos. Jornal de Angola on line. 5 nov. 2009. Disponível em: http://jornaldeangola.sapo.ao/17/0/autor_de_raca_e_historia_morre_aos_100_anos. Acesso em 04 jun. 2010.

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