domingo, 19 de agosto de 2012

MULHERES E EDUCAÇÃO NO BRASIL-COLÔNIA: HISTÓRIAS ENTRECRUZADAS

AUTORA: Arilda Ines Miranda Ribeiro

Mestre e Doutora (Unicamp) e Livre-Docente (Unesp) em História da Educação e Professora junto ao Programa de Pós-Graduação e Graduação da UNESP – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente. Faz parte do Grupo de Pesquisa Valores, Educação e Formação de Professores

FONTE: http://maniadehistoria.wordpress.com/mulheres-e-educacao-no-brasil-colonia/


INTRODUÇÃO

Esse texto é parte da dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação, mestrado, da área de História e Filosofia da Educação da Faculdade de Educação da Unicamp, em 1987. Portanto, trata-se de um trabalho realizado há quase vinte anos atrás. Naquela época eram raros os estudos e pesquisas sobre a condição e a educação feminina brasileira. Também se notava ausência de debates em torno da história das mulheres nas discussões acadêmicas. O silêncio sobre as relações de gênero na Faculdade de Educação era desconcertante. Guacira Lopes Louro era uma das poucas educadoras que esboçava seus primeiros conceitos sobre a questão e ainda assim sobre a educação das meninas em colégios do século XX. As pesquisas históricas sobre educação no período colonial eram escassas, girando em torno da Educação Jesuítica.

Instigava-nos o fato de as mulheres brancas, indígenas e negras não terem tido acesso à instrução durante o período colonial. Em 1997 conseguimos publicar um livro desse material, que se encontra esgotado. Vinte anos depois, 2007, o HISTEDBR nos convida para inserir um resumo dos nossos achamentos em suas comemorações. Esperamos que sejam úteis aos leitores interessados.

Subserviências impostas

A história da Educação das mulheres no Brasil é bastante singular. Rara, excepcional e inusitada. Seu percurso entrelaça-se ao caminho bizarro da própria história da colonização brasileira.

Inicia-se na convivência e convergência de senhoras reclusas com meninas órfãs pálidas portuguesas e indígenas libertas, bronzeadas pelo sol tropical. Ainda no mesmo período, quase no seu início, acrescenta-se a esse entrelaçamento, uma terceira mulher: a negra e sua condição de escrava dos donos do poder vigente. Todas são subservientes, em graus menores ou maiores. Apenas a indígena poderá, quando longe das missões religiosas, manter seu grau de independência. O preço da sua liberdade, porém, da sua não submissão à força masculina portuguesa, resultaria, muitas vezes, em sua morte, em sua extinção. Dessa tríade cultural feminina surgiria o molde genetivo da mulher brasileira, que perduraria por mais de trezentos anos. Somente com a vinda de D.João VI, a partir de 1808, seria possível incorporar a essa fôrma inicial, às diversas influências das mulheres imigrantes européias, asiáticas, entre outras. (Cf. AZEVEDO, 1996)

A trajetória da ausência da educação feminina coincide também com a história da construção social dos gêneros, das práticas da sexualidade e da servidão no Brasil. O corpo feminino deveria servir ao português. Miscigenar, verbo muito utilizado para explicar essa mistura, tinha o objetivo de juntar sexualmente corpos de raças e etnias diferentes, em condições sociais igualmente diferentes (Cf.ALGRANTI, 1993). Muitas vezes isso aconteceu à força, sendo que os estupros eram comuns naquele tempo. Ao homem português era dado o direito de usufruir da vida de todos os habitantes da colônia. Esse direito ocorria devido à sua condição de “senhor” da família patriarcal. Aliás, é oportuno explicitar aqui que família vem da palavra latina “famulus” que significa escravos domésticos de um mesmo senhor: mulheres, filhos, crianças, escravos, terras, etc. Eram “bens” pertencentes ao poder dito na época “naturalmente” construído ao deleite do gênero masculino. Temos condição hoje de mencionar aqui que esse poder dado ao homem foi criado à custa das representações que se submeteram outros grupos sociais, inclusive mulheres. (Cf. RIBEIRO, 1997)

Como falar em educação feminina nessas condições tão desiguais?A qual educação estamos nos referindo? Bem, vamos por parte. Em primeiro lugar é necessário mencionar que o letramento, a instrução e a cultura quase inexistiram nesse período para a maioria dos habitantes da colônia. Educar era um ato pedagógico coercitivo, baseado na ação bruta da obediência severa. Em linhas gerais podemos afirmar que durante esses primeiros trezentos longos anos de formação da vida em sociedade no Brasil as mulheres, assim como outros segmentos sociais, estiveram a serviço da manutenção dos interesses de padres e portugueses, calcados na afirmativa de que os “donos do poder” sempre mandaram. (Cf.FAORO, 1979)

É interessante lembrar, nesse momento, que o tipo de colonização que ocorreu no Brasil foi bastante diferenciado do ocorrido nos Estados Unidos, à chamada “Nova Inglaterra”.

No Norte da América, o colono imigrou levando da Inglaterra, sua família, em decorrência da sua expulsão dos campos ingleses. Trazia consigo a mulher, os filhos, a mãe, a sogra, o piano, seus utensílios domésticos e culturais, sua religião, entre outras coisas além do desejo de permanecer naquela terra, transformando-a em seu lar. Ao se fixar, construía junto com os outros colonos, sua casa, sua igreja protestante, seu local de lazer e sua escola. O colono americano tinha interesse em que seus filhos adquirissem acesso à educação e consequentemente ao conhecimento e a cultura. (Cf. PRADO JR, 1973).

No Brasil, a colonização teve assento em outras bases: O colono português imigrou sozinho. Não trouxe com ele sua mulher, os filhos, a mãe, a sogra. Também não carregou consigo seus utensílios domésticos, seus instrumentos musicais, sua cultura. O nobre veio a mando do Rei como convidado a ser parceiro de um negócio lucrativo. Não tinha interesse em fixar-se nessas terras pertencentes à Coroa Portuguesa. Construir escolas, locais de lazer, clubes, igrejas, transformar a colônia em um lar eram objetivos fora de cogitação. Seu lar era Portugal. Os padres de sua religião se encarregariam de construir igrejas.

Não havendo interesse na educação, no amor as letras, na criação de escolas, a educação ficaria a cargo dos jesuítas apenas no que diz respeito à catequese e o ensino de primeiras letras e com o intuito inicial de pacificar indígenas. O colonizador não compactuou dessas ações evangelizadoras. A Coroa protuguesa é quem compactuava com os padres jesuítas, na subserviência dos indígenas decorrentes da catequisação jesuítica. O português estaria na colônia para tratar de “negócios”. Seu lar era, com certeza, há oito mil kilometros, em terras lusitanas e sua família permaneceria lá a espera do navegante e suas conquistas materiais. As colônias existiriam para a extração de bens que enriqueceriam o Reino Português. Seu único objetivo era apenas a obtenção do lucro, através do escambo, da troca de Pau-Brasil, da cana-de-açúcar, já que de início os portuguêses não tiveram a mesma sorte dos espanhóis, ou seja: de acharem prata, ouro ou esmeraldas. (Cf. PRADO JR, 1983) A construção dos engenhos tinha finalidade econômica.






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