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segunda-feira, 24 de setembro de 2012
FICHAMENTO 5
Fichamento de:
No presente artigo o autor tem como objetivos equacionar
as condições de translocalização e de globalização das ciências modernas, bem
como as condições específicas da sua institucionalização e da atividade
científica em Portugal que se situa “na semiperiferia do sistema-mundo”. Isso fica bem claro
quando Nunes (2002, p.189) avalia que devido à condição de Portugal ser uma
“[...] sociedade semipériferica integrada numa região central do sistema-mundo-
a União Européia – [...]”. O artigo apresenta especificidades que são
examinadas pelo autor por ser ainda um fenômeno recente no processo de criação
e institucionalização de um sistema nacional de investigação e desenvolvimento
e que figuram uma cultura científica de fronteira. De
acordo com Nunes (2002, p.189-190): “O esquecimento da história das ciências,
dos contextos sociais e culturais e dos conflitos em que elas emergiram teve
três conseqüências importantes: em primeiro lugar, a eliminação da memória dos
espaços e dos tempos específicos em que se forjaram as idéias, os instrumentos,
as práticas e as instituições das ciências; segundo lugar, o esquecimento dos
conflitos e das contradições e tensões que atravessaram a história das
ciências, que tiveram na origem da sua ‘desunidade’ das continuidades e
descontinuidades com outros saberes e modelos de conhecimento; e finalmente, a
estreita relação que as ciências modernas, ocidentais mantiveram com dinâmicas
de denominação social, económica e militar, que resultaram na marginalização,
exclusão ou mesmo destruição de modos de conhecimento diferentes, radicados em
experiências históricas distintas”. Ao forja-se uma imagem de unidade
epistemológica e de modo privilegiado de acesso ao conhecimento do mundo
natural e social, estas se transformaram “[...] a Ciência num dos meios mais
poderosos de produção da globalização cultural no mundo contemporâneo, num dos
terrenos mais importantes em que se enfrentam as dinâmicas contraditórias da
globalização e da localização, da territorialização e da desterritorialização,
num domínio em que configuram de modo muito visível as hierarquias e
desigualdades que definem as diferentes ordens mundiais que se foram forjando
ao sabor das transformações históricas dos últimos cinco anos” (NUNES, 2002,
p.191). Na atualidade, a produção científica realiza-se em instituições e
unidades de investigação científica e tecnológica que mantêm diversos vínculos
e inter-relações com instituições governamentais responsáveis pela definição
das políticas de investigação e desenvolvimento e pela distribuição dos
recursos financeiros, e também em empresas ou laboratórios privados que definem
os seus próprios objetivos e interesses. Muitas atividades que buscam nas as
ciências sua legitimação social – como a medicina e engenharia – organizam-se
em profissões numa base nacional. Mas
tanto as ciências quanto as profissões de base científica “[...] fazem assentar
a sua autoridade na invocação da validade universal dos seus conhecimentos e
procedimentos, uma validade sancionada pela participação em comunidades que
transcendem as fronteiras dos Estados nacionais” (NUNES, 2002, p.191). A
transnacionalização é, sem dúvida, um dos processos que mais bem definem a
especificidade das actividades e profissões associadas à ciência e tecnologia.
É importante reconhecer as especificidades dos processos de globalização das
ciências quando confrontados com a transnacionalização e a globalização. Este
processo de globalização da ciência não decorre de qualquer inerência da sua
universalidade – isto é, da validade das suas proposições e procedimentos
independente das circunstancias em que eles são acionados -, conforme o autor, é
esse trabalho que permite, seguindo a tipologia dos modos de produção da
globalização proposta por Boaventura de Sousa Santos (2001), descrever as
ciências modernas, herdeiras da Revolução Científica, como um conjunto de
criações situadas no tempo e no espaço e que se globaliza em virtude de sua
translocalização. Para o autor, os processos de translocalização das ciências e
do conhecimento e dos objetos científicos podem assumir, em primeiro lugar, a
forma de translocalização das tecnologias através da reprodução do espaço
material e competências técnicas que definem um determinado laboratório. A globalização das ciências corresponderá à
constituição de uma rede de laboratórios capaz de replicar e reproduzir de
forma ‘robusta’ os mesmos procedimentos. Nunes (2002, p. 193) enfatiza que uma
conseqüência desta definição será “a marginalização ou exclusão de formas
alternativas ou locais de produção do conhecimento ou do próprio conhecimento
que neles se produz, relegando-os para o domínio dos ‘outros’ desqualificados
da Ciência”. Em segundo lugar, a translocalização passa pela formação e
recrutamento de cientistas e técnicos credenciados que, mesmos na ausência de
condições ideais, podem assumir uma posição uma posição de validar,
marginalizar ou excluir aqueles que não possuem credenciais escolares,
acadêmicas ou profissionais adequadas. O
autor deixa claro que a criação de instituições de formação – escolas,
Universidades – é um aspecto fundamental desse processo. Nunes (2002), citando
Latour (1987), Shapin e Schaffer (1985), destaca que a autoridade e a
credibilidade da ciência são incorporadas em objetos impressos (manuais
escolares, acadêmicos, periódicos especializados, etc.), eletrônicos (em meio
digital e internet) ou de outro tipo de suporte de registro de informação, são
caracterizados pela sua condição comum de “móveis imutáveis” (p.193). Nunes (2002)
procura averiguar o modo como variações locais entre laboratórios são mediadas
por diferenças nos meios sociais e culturais locais e nacionais em que os
laboratórios se situam, em função da sua posição no sistema mundial da ciência.
Em Portugal, as ciências exibem um conjunto especificidades históricas que são
inseparáveis da condição semipériferica da sociedade portuguesa. Entre elas,
uma forte heterogeneidade interna, expressa, nomeadamente, “nas fronteiras
fluídas ou flutuantes entre disciplinas e domínios de investigação” (NUNES,
2002, p.194); a heterogeneidade das carreiras dos cientistas; o envolvimento
desigual de grupos de instituições de pesquisa com as ciências transnacionais;
a forte feminização (em termos relativos) de muitas áreas da investigação, em
paralelo com dificuldades de acesso de mulheres aos lugares de topo das
carreiras científicas e acadêmicas e aos cargos de direção de instituições de
pesquisa e investigação e a acentuada dependência em relação a financiamentos
oriundos de programas europeus. É no quadro dos
processos de “europeização” das ciências
em Portugal que algumas das tensões que caracterizam a condição semiperiférica
da sociedade portuguesa ganham maior visibilidade. O autor destaca que a
integração européia teve dois tipos de conseqüências importantes, umas no domínio
da policy for science, outras no da science for policy. Portugal, em relação à policy for science, criou um sistema Portugal de investigação em ciência
e tecnologia. Em relação à science for policy, foram criados quadros
normativos que obrigaram à produção de uma legislação nacional em áreas como o
ambiente ou a genética humana, ou seja, foi criado um espaço de legitimação da
intervenção ativa dos cidadãos. Nunes (2002) alerta que estas transformações
ainda são frágeis. Os financiamentos para pesquisa e investigação continuam
fortemente dependentes dos fundos europeus e o esforço do Estado português está
muito aquém do esperado e desejado. Finalizando,
os estudos incluídos no livro Enteados de Galileu? (NUNES; GONÇALVES, 2001), identificam as
condições históricas e contemporâneas dependência da Ciência em Portugal e de
inserção de uma “sociedade semiperiférica nos mundos transnacionais da ciência”
(NUNES, 2002, p. 195) e oferece uma reflexão sobre “esse espaço de fronteira”
(p.197) como um espaço dinâmico de invenção e de inovação, de exploração de
novos processos de produção de conhecimento mais críticos.
INFORMES
Encaminhei o trabalho “Gênero e Gestão em Ciência, Tecnologia e
Inovação em Saúde: um olhar exploratório na Fiocruz” que foi aprovado para apresentação no XIII Enancib, na modalidade
comunicação oral. O evento vai acontecer entre 28 a 31 de
outubro de 2012, no Rio de Janeiro.
sexta-feira, 21 de setembro de 2012
Fazendo Gênero 10
O Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 - Desafios Atuais dos Feminismos se realizará em Florianópolis, Santa Catarina, entre 16 a 20 de setembro de 2013 e será promovido pelo Centro de Filosofia e Ciências Humanas, pelo Centro de Comunicação e Expressão, bem como por outros Centros da UFSC, em parceria com o Centro de Ciências Humanas e da Educação da UDESC.
O Fazendo Gênero 10 visa favorecer a articulação dos estudos de gênero com abordagens que envolvem outras categorias de análise como classe, raça, etnia, e gerações; criar espaços de troca de experiências e diálogo entre investigadoras/es acadêmicas/os e aquelas/es ligadas/os a outras entidades e aos movimentos sociais; incentivar a participação de estudantes de graduação e de pós-graduação nas discussões travadas no campo dos estudos feministas e de gênero, possibilitando uma formação mais qualificada na área, e produzir conhecimentos que possam resultar em material bibliográfico a ser publicado em livros e periódicos sobre o tema.
A concepção geral do evento parte de considerar que, apesar dos avanços obtidos por meio das inúmeras lutas travadas pelas mulheres, muitos obstáculos persistem, alguns se re-configuraram, outros emergiram, exigindo por isso mesmo o debate em torno dos Desafios Atuais dos Feminismos, os quais incluem, entre outros, a baixa participação das mulheres nas instâncias de poder político; as desigualdades de gênero no âmbito do trabalho e da distribuição de renda; as dificuldades enfrentadas no âmbito das lutas pelo direito ao aborto; as violências domésticas e institucionais de gênero; a grave situação das mulheres, principalmente de baixa renda, nos contextos pós-coloniais e transmodernos; as iniquidades em saúde; as contramarchas nas lutas pelos direitos LGBT e contra os efeitos de subordinação das interseções de gênero, classe, gerações e raça/etnia; as assimetrias de gênero no âmbito da participação das mulheres na produção do conhecimento científico; a inserção significativa das mulheres nas mobilidades contemporâneas, etc.
Link: FAZENDO GÊNERO 10
Cronograma
2012
- 20 de agosto de 2012 a 15 de outubro de 2012 - Inscrição das propostas de Simpósios Temáticos;
- 15 de novembro de 2012 - Divulgação da relação dos Simpósios Temáticos aprovados;
- 20 de novembro de 2012 - Abertura de inscrições para apresentação de trabalhos nos Simpósios Temáticos e para inscrições de Pôsteres;
- 25 de novembro de 2012 - Abertura das inscrições para a Mostra de Fotografias e para a Mostra Audiovisual.
2013
- 20 de março de 2013 - Encerramento do período de inscrições para Comunicações Orais e Pôsteres;
- 25 de março de 2013 - Início das inscrições para a modalidade Ouvinte
- 25 de março de 2013 - Abertura das inscrições para propor Minicurso ou Oficina
- 31 de março de 2013 - Encerramento das inscrições para a Mostra Audiovisual e para a Mostra de Fotografias
- 27de maio de 2013 - Encerramento das inscrições para propor Minicurso ou Oficina
- 30 de maio de 2013 -Divulgação da relação dos trabalhos aprovados pel@s coordenador@s de STs e divulgação da lista dos Pôsteres aprovados
- 06 de junho de 2013 - Resultado da avaliação dos Minicursos e Oficinas
- 07 de junho de 2013- Início das inscrições para participantes de Minicurso ou Oficina
- Junho de 2013 - Confecção do Caderno de Programação do evento
- 04 de julho de 2013 - Prazo final para entrega do texto completo das Comunicações Orais
- 12 de agosto de 2013 - Encerramento das inscrições para a Modalidade Ouvinte
- 12 de agosto de 2013 - Encerramento das inscrições para Minicurso ou Oficina (ou até o término das vagas)
- 15 de dezembro de 2013 - Publicação dos textos completos apresentados em Simpósios Temáticos no site do Fazendo Gênero 10. Somente serão publicados os trabalhos realmente apresentados pel@s autor@s.
sábado, 8 de setembro de 2012
Um percurso invulgar
Crítica: História da Ciência e suas Reconstruções Racionais
Pedro Galvão
LAKATOS, I. História da ciência e suas reconstruções racionais.Tradução de Emília Picado Tavares Marinho Mendes. Lisboa: Edições 70, 1998.
Quando tentam compreender o método científico, os filósofos desenvolvem diversas concepções da racionalidade científica e interpretam a história da ciência de acordo com essas concepções. Filosofias da ciência diferentes produzem assim reconstruções racionais diferentes para a história da ciência. Mas em que diferem essas reconstruções? Será que alguma delas é superior às restantes? Imre Lakatos ocupou-se seriamente destas questões. Examinou com acuidade as filosofias da ciência mais influentes e propôs a metodologia dos programas de investigação, uma tentativa original de proporcionar uma melhor reconstrução racional da história da ciência. Essa tentativa estrutura os ensaios reunidos em “História da ciência e suas Reconstruções Racionais”. Com este livro, as Edições 70 dão a conhecer ao público português a obra de Lakatos, um dos filósofos da ciência mais marcantes deste século.
Quando tentam compreender o método científico, os filósofos desenvolvem diversas concepções da racionalidade científica e interpretam a história da ciência de acordo com essas concepções. Filosofias da ciência diferentes produzem assim reconstruções racionais diferentes para a história da ciência. Mas em que diferem essas reconstruções? Será que alguma delas é superior às restantes? Imre Lakatos ocupou-se seriamente destas questões. Examinou com acuidade as filosofias da ciência mais influentes e propôs a metodologia dos programas de investigação, uma tentativa original de proporcionar uma melhor reconstrução racional da história da ciência. Essa tentativa estrutura os ensaios reunidos em “História da ciência e suas Reconstruções Racionais”. Com este livro, as Edições 70 dão a conhecer ao público português a obra de Lakatos, um dos filósofos da ciência mais marcantes deste século.
Lakatos teve um percurso filosófico invulgar. Morreu em 1974 com pouco mais de 50 anos, e tinha já cerca de quarenta quando iniciou as investigações que o tornaram conhecido. Karl Popper foi quem mais influenciou essas investigações. “Mais do que ninguém”, declara Lakatos, “ele mudou a minha vida. Tinha quase quarenta anos quando entrei no campo magnético do seu pensamento. A sua filosofia ajudou-me a fazer a ruptura final com a visão hegeliana do mundo, que eu defendera durante cerca de vinte anos.” Na década de intensa actividade que precedeu a sua morte, Lakatos não chegou a publicar qualquer livro, mas muitos dos seus artigos foram postumamente reunidos em três volumes. O primeiro, “Proofs and Refutations”, apresenta-nos um diálogo delicioso sobre a lógica da descoberta matemática. Os outros volumes receberam o título convencional de “Philosophical Papers”, e é de um deles que provêm os ensaios traduzidos agora para português.
O ensaio introdutório ocupa-se do problema da demarcação entre ciência genuína e pseudociência. A resposta de Popper para este problema diz-nos que as teorias científicas distinguem-se das pseudocientíficas em virtude de serem refutáveis, e que a atitude científica consiste em submeter as teorias a “testes cruciais” que visam refutá-las ou falsificá-las. Lakatos, no entanto, considera ingénuo o falsificacionismo de Popper, alegando que este não está de acordo com o comportamento dos cientistas. Quando rejeitam uma teoria, os cientistas não o fazem “apenas porque os factos a contradizem”. Perante dados empíricos adversos, não hesitam em invocar hipóteses auxiliares para salvar as teorias. Vêem esses dados não como “refutações” das suas conjecturas, mas como simples “anomalias” que não requerem uma solução imediata. Os testes cruciais de que Popper fala são assim ficções historicamente infundadas; os relatos desses testes “são forjados muito depois de as teorias terem sido abandonadas”. Como alternativa ao falsificacionismo, Lakatos sugere que para resolver o problema da demarcação é melhor pensar não em teorias ou conjecturas isoladas, mas em unidades mais abrangentes, pois “a ciência não é simplesmente ensaio e erro, uma série de conjecturas e refutações”. Lakatos designa essas unidades por “programas de investigação”. A questão torna-se assim a de saber o que é um programa de investigação e o que torna científico um desses programas.
No segundo ensaio, que intitula o livro, Lakatos explora em profundidade as relações entre a filosofia e a história da ciência, acabando por apresentar a sua própria metodologia filosófica como um programa de investigação historiográfico. Para além de desenvolver a crítica ao falsificacionismo, Lakatos examina as metodologias indutivista e convencionalista. Enquanto os indutivistas destacam na história da ciência a realização de generalizações a partir de proposições bem comprovadas, os convencionalistas valorizam antes a descoberta de sistemas de classificação novos e mais simples. Para Lakatos, no entanto, os grandes momentos da história da ciência resultam de programas de investigação “progressivos”. Mas o que é afinal um programa de investigação? No terceiro ensaio, onde Lakatos mostra como as diversas filosofias da ciência reconstroem a revolução copernicana, encontramos a resposta mais elaborada para esta questão. Um programa de investigação consiste numa série de teorias em desenvolvimento. Essas teorias giram em torno de um “centro firme” constituído pelas proposições fundamentais do programa, que dão origem a inúmeros problemas e são consideradas irrefutáveis. A “heurística” do programa proporciona meios para resolver esses problemas, e a sua “cintura protectora” de hipóteses auxiliares protege o núcleo firme. Quando as modificações teóricas conduzem a previsões bem sucedidas de factos novos, o programa é progressivo, mas se essas modificações forem apenas manobras “ad hoc”, então o programa torna-se degenerativo. Lakatos defende que, entre as metodologias disponíveis, só a dos programas de investigação permite considerar racional a revolução copernicana, sendo esse o seu grande mérito em relação às metodologias rivais.
Com “História da ciência e suas Reconstruções Racionais”, o leitor português pode conhecer o pensamento de Lakatos numa boa tradução. Falta agora traduzir, e publicar, o admirável “Proofs and Refutations”.
Texto originalmente publicado no Público.
FICHAMENTO 4
SHAPIN, S. The Scientific Life: a moral history of a late modern vocation. Chicago: University of Chicago Press, 2008. p. 132-265.
Steven Shapin é um dos
mais renomados historiadores e sociólogos da ciência na atualidade. Em sua obra
The Scientific Life (2008) ele mostra
como a pesquisa científica tornou-se tão
altamente empreendedora que os cientistas tenham sido “eclipsados” neste
processo e que os regimes de financiamento contemporâneos tendem,
de forma sutil, a corroer a integridade da ciência e descreve como o modelo de
pesquisa em universidades norte-americanas está ameaçado. Shapin não descreve
como realizou a pesquisa, mas utiliza dados numéricos apresentados em tabelas
para subsidiar as conclusões de seu estudo. O trabalho empírico de Shapin tem
grande peso acadêmico. Para Shapin, as universidades estão cada vez mais
dependentes de investimentos externos. Com isso, as instituições ficam mais
vulneráveis a pressões políticas, inclusive do governo norte-americano. Neste capítulo, Shapin descreve as mudanças na ecologia do
conhecimento, com seus diferentes ambientes e relações com o mundo
atual, tendo como objeto de estudo a pesquisa acadêmica nas universidades. Desde a II Guerra
Mundial a velocidade do desenvolvimento científico de vanguarda nos Estados
Unidos teve influência na investigação universitária internacional. O idioma
inglês se tornou a “língua franca” da ciência. Essa predominância norte-america
ocorre devido a fatores como: maciço investimento público na ciência, laços
entre a comunidade de pesquisa, por meio das instituições de pesquisa e
desenvolvimento (P&D) e o setor produtivo, além da à capacidade dos Estados
Unidos em exercerem a liderança
efetiva no mundo acadêmico. As políticas públicas eram basicamente políticas de
promoção do desenvolvimento tecnológico que se estabelecia e não havia lugar
para as conseqüências negativas da mudança tecnológica. Conforme o autor,
poucos estudiosos têm examinado o
processo adaptativo que tem facilitado a constante renovação da ciência
norte-americana. O desenvolvimento sistemático da pós-graduação
nos Estados Unidos pode ser considerado como produto da influência germânica e
coincide com as grandes transformações das universidades americanas nas últimas
três décadas do século passado. É quando a universidade deixa de ser uma
instituição apenas de formação de profissionais para dedicar-se às atividades
de pesquisa científica e tecnológica.
Shapin levanta as seguintes questões: Como as universidades conseguem acompanhar o caráter mutável da economia
da pesquisa científica? Ao fazê-lo, como as universidades produzem mudanças na
ecologia do conhecimento nos EUA na contemporaneidade? Shapin tenta traduzir em números a questão
de como relacionar o modelo de pesquisa acadêmica com a pesquisa básica. Ele
fala dos fluxos de recursos, que materializam as pesquisas. O crescimento da
pesquisa básica acontece a partir dos investimentos concentrados fortemente nos
laboratórios particulares e na academia: quem recebe mais investimentos é quem
produz primeiro pesquisa básica e depois, em um segundo momento, pesquisa
aplicada. Segundo as amostras de Shapin, quanto mais à pesquisa acadêmica tenta
responder a dicotomia universidade x indústria ou universidade x empresa, menos
a questão da escassez de recursos é esclarecida. Shapin cita a administração de
Bush para falar do auto-investimento e macro planejamento que seu governo
imprimiu no contexto do pós-guerra. Conforme Shapin (2008, p. 137): “First they sought to
replace the ‘transmission belt’ metaphor, which connected discoveries of basic
research with the spawning of applied research, technology; and the eventual
development of products. In its stead they posited a reciprocal relationship whereby
technological development in itselfyields basic discoveries, or raises problems
that inspire basic science. From this perspective, he rationale for basic
research assumes somewhat different formo Insteadof arising purely from
scientific paradigms, research questions may alsoarise from technology and thus
be consumer driven. This view has implications for supportingesearch as weli.
Instead of relying on scientists in the field to initiate proposals for basic
research, science might better be managed in ways that would recognize and
incorporate consumer demands”. Os possíveis vínculos e tensões entre a ciência
básica e a ciência aplicada têm sido objeto de constante preocupação. A
pesquisa acadêmica, assim, passa a se ver dando conta de uma associação entre e
o que seria a pesquisa básica e a pesquisa aplicada. A tese de Shapin é de que
fortalecer a pesquisa básica seria também fortalecer a pesquisa aplicada. Em
relação aos regimes de financiamento para a ciência, a legislação Bayh-Dole, criada
em de 1980, praticamente induz a transferência de tecnologia entre a
universidade-empresa e atua, basicamente, sobre a comercialização dos
resultados de pesquisa das universidades deixando um hiato: se a pesquisa
realizada é básica ou aplicada. Nos Estados Unidos as universidades e grupos de
pesquisa são os que mais têm patentes, mais produzem patentes. Com relação à
infra-estrutura básica para as pesquisas e fluxo de pesquisadores, Shapin fala
da perda de financiamentos, uma vez que para ter financiamentos tem que ter
produção de artigos. Há o questionamento de quantas publicações daquele
determinado pesquisador já foram publicados; quantas especializações têm.
Então, a partir de suas qualificações o pesquisador vai se destacando para
possíveis financiamentos. As patentes são regras negociáveis com os atores
envolvidos. Assunto delicado para se tratar. Finalizando, Shapin aponta como
uma das maiores dificuldades no dia de hoje manter a infra-estrutura de
pesquisa (na biociência, biomedicina), com todo o seu aparato tecnológico que
lhe é peculiar. Hoje, “fazer ciência” é manter um laboratório nos padrões da
lógica norte-americana de competitividade – ou seja: “se não tenho suporte
financeiro não consigo nada”. Contudo, a participação do financiamento
empresarial na pesquisa universitária deve merecer cautela para que não ocorra privatização
(capitalização) do saber, o que acarretaria uma perda considerável aos valores
acadêmicos. O alerta se faz necessário porque já há muitos casos em que, para
manter laboratórios e salários, pesquisadores comprometem-se a não publicar até
mesmo resultados de pesquisa básica conveniada sem prévia autorização da
empresa patrocinadora.
quarta-feira, 5 de setembro de 2012
FICHAMENTO 3
McSHERRY, C. Who owns academic work? Battling for control of intellectual
property. Cambridge: Harvard University Press, 2001. p.25-67.
Este capítulo aborda o conceito histórico do conceito de
propriedade Intelectual - PI que é, aqui, entendida como propriedade
Intelectual contida no hegemônico sistema econômico atual, o capitalismo, o
qual se baseia na propriedade privada e a interface da economia com os direitos de propriedade intelectual (DPI). Os
termos mais importantes aqui discutidos são o de “propriedade intelectual “e
“universidade moderna” que para McSherry encontram-se “em crise”. Em relação a
essa crise Sheldon Wolin (1981, p.7) citado pela autora, faz o seguinte comentário:
“[...] the word ‘crisis’ faily oozes with banality”. É tão relevante aqui como
em outras searas político-sociais. Neste sentido, as discussões sobre propriedade industrial têm
mobilizado diversos setores da sociedade e produzido grande impacto em todos os
níveis da economia mundial. A essa influência da produção, aquisição e
exploração do conhecimento, não está imune a Academia, que nem ao menos pode se
esquivar da discussão sobre a matéria, ou das suas conseqüências. A interação
Indústria-Universidade ocupa uma posição de destaque no âmbito da Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D) internacional, não importando o desejo dessa em
participar do processo: a sua negativa apenas significa o seu desinteresse em
participar dos benefícios do conhecimento que produziu. O Direito, nessa
conjuntura, desempenha a função essencial de instrumentalizar as políticas
governamentais e de regular o setor; mas não substitui as próprias políticas
institucionais. A retórica crise
é onipresente na história da academia, tanto a intelectual e direito de
propriedade. Na verdade, é difícil encontrar um longo período no passado
duzentos anos, quando uma crise não venha acontecendo na universidade,
e o mesmo pode ser dito do direito da propriedade intelectual nos últimos cem
anos. Para Sheldon Wolin, citado pela autora, a “crise”, portanto, é uma
técnica de controle social e dependência em vez de um momento de possibilidade
e oportunidade.
Nessa visão, a retórica crise surge como uma estratégia de mobilização que
permite identificar um problema como "fixo" ou pelo menos
controlados, mas deixa questões subjacentes a serem examinadas. Por exemplo, uma das mais visíveis
"crises" na lei de copyright
e o problema da Internet. Tornou-se um lugar-comum entre os parlamentares,
acadêmicos, advogados e empresários de que um regime de direitos autorais
enraizada nos paradigmas de impressão cultural não é facilmente aplicável a
cultura virtual, se mal definida. Daí a desenvolvimento de legislação própria e
tecnologias destinadas a controlar e limitar a circulação de informação
digitalizada e, assim, conter a crise. Para a autora, "crise" pode
ser descrita como uma questão de "preservar o equilíbrio existente"
entre esferas pública e privada do mercado de idéias, e "propriedade
intelectual" pode continuar a ser entendidas como uma solução ao invés de um
problema. McSherry faz uma intensa discussão sobre a relação propriedade
industrial e pesquisa na universidade e as conseqüências dessa relação para a
construção social do conhecimento. A raiz comum da crise é um determinismo
tecnológico e o surgimento de tecnologias digitais como o locus da mudança. Segundo a
autora, os problemas enfrentados neste contexto estão relacionados ao escopo de
copyrightability (proteção aos
direitos autorais). A Internet, em
particular, é vista como uma exigência fundamental de reconsideração dos
limites do direito de autor para garantir o uso na educação. Outros autores
(GORDON, 1993; NERONA, 2000; DECLET, 1997) enfatizam a globalização dos
mercados de informação, apontando para os desafios da economia nacional no
controle da informação e aparente subversão duradoura de que o controle por
"pirataria" e outras formas de escoamento através das fronteiras políticas,
econômicas e jurídicas. Defensores desse "modelo" de pirataria também
temem que as novas tecnologias de reprodução em si facilitem utilizações não
autorizadas. Neste quadro "imaturo", muitos países são resistentes a cumprir
as normas internacionais de propriedade intelectual, entre eles, os estados
Unidos que também se encontra em uma posição desconfortável por ainda resistir
a regulamentação internacional da propriedade intelectual. Segundo a autora, a
preocupação de muitos estudiosos é o direito da propriedade intelectual na apropriação
social da informação uma vez que os bens intelectuais não são passíveis de
apropriação em seu estado natural. Incluem os bens protegidos pelos direitos de propriedade intelectual,
que por sua vez compreendem as patentes,
os direitos autorais, as marcas e os segredos comerciais. Neste
sentido, o direito de propriedade intelectual é um fenômeno jurídico moderno,
fruto do antropocentrismo e do liberalismo econômico. A escolha do termo propriedade para designar o
direito exclusivo que recai sobre bens intelectuais foi calcada em razões de
cunho ideológico. A passagem da Idade Média para a Idade Moderna foi marcada
especialmente por uma mudança no eixo do pensamento filosófico; a sociedade se
libertou da religião e o homem passou a ser considerado em sua individualidade.
O conceito de propriedade exerceu, naquele momento histórico de grandes
transformações sociais, um papel importantíssimo. A autora indaga: O direito
autoral deveria constituir não propriedade intelectual? A universidade está
"em crise" por estar se reposicionado como um local de produção de
mercadorias, ou seja, a mercadorização da informação. Os bens intangíveis
oriundos da propriedade intelectual são elementos essencialmente do modo de
produção capitalista. Conforme a autora, com o fim da Guerra Fria e da
emergência de um modelo de economia global baseada no conhecimento surge um "novo
contrato social" negociado entre a universidade e o público. Nesta
"segunda revolução acadêmica", afirma o sociólogo Henry Etzkowitz, os
interesses tradicionais da universidade para o avanço do conhecimento é
compensada pelo seu interesse na capitalização do conhecimento. A “lógica
interna” da missão original da Academia foi ampliada da idéia de conservação do
conhecimento (educação) para incluir também a idéia de criação de conhecimento
(pesquisa) e a aplicação desse novo conhecimento (empreendedorismo e inovação).
Baseando-se em Bruno Latour e Steve
Woolgar (1979), o trabalho sobre o crédito e a credibilidade, Etzkowitz sugere
que as universidades-empresas são uma conseqüência dos esforços de cientistas
que apostam em suas próprias reputações em busca de financeiro para novas
pesquisas. Sheila Slaughter e Leslie Lawrence (1997), citados pela autora, são
menos otimistas em relação ao argumento da hélice tripla [caracterizada pela presença de instituições
de ciência e tecnologia e instrumentos de suporte, como fundos de investimento
e organizações para promover o desenvolvimento], que as novas práticas
de "capitalismo acadêmico" ameaçam a autonomia profissional e a
formação dos professores e outros profissionais de informação e a liberdade
acadêmica de publicar ou de recusar a fazê-lo. Conforme
Mark Lemley, citado pela autora "a própria idéia de domínio público como elemento intrínseco ao direito de propriedade intelectual está sob ataque” (1997, p. 902). Em
relação ao direito de propriedade individual, os direitos
de autor e patentes, também designados por copyright,
referem-se a quaisquer peças que resultem da criatividade humana, nomeadamente:
as obras literárias, artísticas, cinematográficas, musicais e dramáticas,
software para computadores, as fotografias, escultura, artefatos, etc. A
lei define exceções e restrições à aplicação do copyright e procura manter um equilíbrio entre os interesses do
autor, ou do seu representante, e da sociedade. O direito
à patente é um componente da propriedade intelectual e um de um esforço
criativo. A propriedade intelectual sob a materialização na forma de
patentes e direitos privados de exploração mercantil é a face mais pungente da
dinâmica de acumulação por parte da atual fase da estrutura genérica do
capitalismo. O interesse mercantil determina uma série de práticas e políticas
que priorizam determinados nichos de pesquisa em delimitadas áreas de interesse
do capital. Foucault (1977), citado pela autora, aponta, entre outras, as
seguintes características da “função-autor”: os
discursos portadores da função-autor são objetos de apropriação pelo
que ele denomina “regime de propriedade para os textos”; a função-autor está ligada ao sistema jurídico-institucional
que contém, determina, articula o universo dos discursos. Finalizando, sobre
relações universidade-indústria "the university shouldn’t be afraid to say
no” (p.64). Por quê? Porque se ela disser “sim” muitas vezes a universidade
perde sua credibilidade e os produtos que certifica perdem valor. Em suma, a razão de ser da Universidade está
intimamente ligada à do sistema de propriedade intelectual. A questão da
proteção à propriedade intelectual transformou-se numa verdadeira corrida entre
a legislação e a tecnologia. À medida que o progresso da tecnologia amplia as
facilidades de fazer cópias, a legislação é alterada para levar em conta a nova
realidade tecnológica. Em suma, tratar de uma questão tão complexa como esta,
com tantos atores e tantos interesses envolvidos, certamente não é possível dar
uma resposta simples e definitiva.
segunda-feira, 3 de setembro de 2012
domingo, 2 de setembro de 2012
MULHERES NAS CIÊNCIAS
Agnodice (séc. IV a.C.) foi a mais antiga mulher da antiga Grécia a ser mencionada pelos gregos. Natural de Atenas, aonde havia proibição legal para mulheres estudarem medicina. De acordo com Gaio Julio, Agnodice disfarçou-se com roupas masculinas para assitir as aulas de Hierófilos, dedicando-se principalmente ao estudo da obstetrícia e da ginecologia.
Hipátia de Alexandria foi uma matemática e filósofa
neoplatônica, nascida aproximadamente em 355 e assassinada em 415. O fato de
Hipátia ser uma filósofa pagã (num meio predominantemente cristão) é tido como
um dos fatores que contribuíram para o seu assassinato. Porém, estudos mais
recentes, como o da historiadora Maria Dzielska, salientam que Hipátia foi
assassinada por razões políticas, no contexto da luta pelo poder em Alexandria.
Existem muitos registros de
mulheres que contriburiam para a proto-ciência da alquimia em Alexandria por
volta do primeiro ou segundo século a.C., onde a tradição gnóstica valoriza as
mulheres. A mais conhecida, Maria, a Judia, foi a inventora de equipamentos
para a química, como o banho-maria (de onde o nome Maria, em homenagem)
e um tipo de alambique ou aparelho de destilação simples.
A educação universitária era disponível para algumas mulheres na Idade
Média européia. A física Trotula
supostamente ocupou uma cadeira na Escola de Salerno no século XI, aonde
ministrou aulas a mulheres da nobreza italiana, um seleto grupo por vezes
referido como "as senhoras de Salerno". Inúmeros textos que se
referem à medicina feminina, em obstetrícia e ginecologia, entre outros
tópicos, também são a ela creditados.
Conventos medievais foram outro
ambiente de educação para mulheres, e algumas dessas comunidades ofereciam
oportunidades para que as mulheres contribuissem para a pesquisa acadêmica. Um
exemplo foi a alemã Hildegard de Bingen,
cujos inúmeros e prolificos escritos abrangiam os mais variados assuntos
científicos, como medicina, botânica e história natural.
Fonte: Wikipedia
FICHAMENTO 2
Fichamento
de:
MORAES, I. H. S.; GONZALEZ DE GÓMEZ, M. N. Informação
e informática em saúde: caleidoscópio contemporâneo da saúde. Ciênc. saúde
coletiva, Rio de Janeiro, v.12, n.3, p.553-565, jun. 2007.
CARVALHEIRO, J. R. Caleidoscópio sanitário. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v.12,
n.3, p.568-570, jun. 2007.
O ensaio
de Moraes e González de Gómez (2007) partindo do pressuposto da formação de
um intercampo de informação e informática em saúde na contemporaneidade,
composto por processos sócio-políticos e epistemológicos, pretende estudar as
possibilidades de uma ação informacional no campo da saúde, capaz de ampliar as
respostas do Estado na melhoria das condições de vida da população brasileira
(MARTELETO, 2007, p. 576). Este ensaio tem por objetivos aprofundar a
compreensão da gênese e dos determinantes desses limites e analisar
alternativas para sua superação que dependem menos de iniciativas pontuais
internas ao campo da informação e mais, dentre outras, da adoção de novos
referenciais, a começar pelo significado e conceito de Saúde. Conforme as
autoras, “o modelo político e econômico dominante, historicamente instituído,
expande as desigualdades entre padrões de qualidade de vida”. As desigualdades
sanitárias prevalentes entre as regiões, estados, cidades e mesmo intra-urbanas
impedem comemorações efusivas. Por outro lado, “o Sistema Único de Saúde (SUS)
alcançou avanços significativos em seus quinze anos de implementação”. Segundo
as autoras, a construção dom SUS é um marco na história do país por pressupor a
participação da sociedade nesse processo, através das Conferências e Conselhos
de Saúde e por preconizar a busca do consenso entre as esferas de governo,
configurando, nesse sentido, uma das mais avançadas política pública
brasileira, calcada na democracia participativa e emancipatória. Nesse período,
o SUS constituiu-se como um sólido sistema que ampliou o acesso da população
aos recursos de saúde, mas não o suficiente para superar a histórica e desigual
dívida sanitária. No cotidiano dos cidadãos, o direito universal à Saúde, com
eqüidade e qualidade, ainda está distante. Para as autoras, o processo
de (re)pensar a “informação e informática em saúde” deve levar em conta tanto a
gênese da atual práxis informacional desse campo, moldada pelos modos como
se concebem e se colocam em prática as políticas e ações de saúde ao longo do
tempo, quanto servir de aliado estratégico para a (re) construção das ciências
da saúde diante da complexidade dos processos concretos de saúde, adoecimento e
cuidados (MARTELETO, 2007, p. 576). As autoras, ao procurarem desvendar
a gênese da atual lógica organizativa das informações de interesse para a
Saúde, produzidas e geridas pelo aparato estatal, observam que a informação em
saúde surge de certo "pré-juízo" de sinais, sintomas, signos e
práticas relacionados ao processo de saúde/doença/cuidado que, em um
determinado contexto histórico, adquirem relevância política e social: “tornam-se
eventos que justificam seu monitoramento, sua visibilidade, sua vigilância
através de dispositivos de Estado no exercício de um biopoder”. As mudanças na
forma de lidar com a saúde/doença/cuidado vinculam-se às transformações
político-sociais e econômicas, inseridas na constituição do Estado Moderno, em
um crescente processo de urbanização e de organização da sociedade capitalista.
O Estado Moderno estabelece dispositivos de atuação voltados para a gestão da
vida, que permitem o exercício de um poder disciplinar que se expressa
capilarmente em todo o campo social, de um biopoder, que nasce imerso na
constituição de uma sociedade panóptica. As autoras identificam a existência
de um 'intercampo de informação e informática em saúde' que se consubstancia
tanto a partir de uma epistemologia que tenha por referencial a abordagem
transdisciplinar, quanto da consolidação de um processo político-histórico de
construção institucional, espaço portador de potência e relevância: intercampo
político-epistemológico. As opções sobre as tecnologias de informação
adotadas, resultantes da pressão do mercado de computação e de
telecomunicações, fariam parte desse cenário, e estariam em estado submerso nos
diferentes discursos e visões em disputa. Nesse sentido, a “informação em
saúde” e a sua expressão técnica - a “informática em saúde” faria parte de uma
“política epistemológica” presente nas enunciações oficiais e acadêmicas em
luta pela autoridade epistêmica. (MARTELETO, 2007, p. 576). Embora validado na
reflexão teórica das autoras, elas próprias reconhecem que o conceito de informação
em saúde evidencia um paradoxo, quando projetado no marco das modernas sociedades
do conhecimento e da informação. As autoras assumem como pressuposto que as atuais práticas e
saberes de Informação e Informática em Saúde não dão conta da complexidade dos
processos de saúde/doença/cuidado e dos problemas contemporâneos a serem
superados, constituindo-se em um dos limitantes para a ampliação da capacidade
de resposta do Estado brasileiro. As autoras propõem uma perspectiva
transdisciplinar, em primeiro momento, uma conversão do olhar na direção das
questões da informação e informática em saúde, enquanto intercampo de
conhecimento em construção (MARTELETO, 2007, p. 576). Finalizando,
a expectativa das autoras é que esse ensaio represente uma contribuição, em sua
provisoriedade, para que mais adiante outros avancem na construção de uma
'epistemologia da informação e informática em saúde', por ultrapassagens de
elaborações sucessivas, em uma dinâmica de maior aprofundamento e maturidade
epistemológica-política, em um diálogo permanente entre os diversos campos
científicos, as instituições científicas e de serviços de saúde nas três
esferas de governo e entre seus agentes: os cientistas, os profissionais, os
gestores e os conselheiros de saúde. Em relação ao debatedor, Carvalheiro
(2007) a reiterada menção que as autoras fazem à idéia de uma “política
epistemológica” exigiu um mergulho na “Épistémologie”, de Bunge. Contudo,
pareceu para Carvalheiro (2007) que Informação e Informática “tout court” (ou,
ainda com maior razão, “em saúde”) deveriam pertencer mais ao terreno das
tecnologias do que ao das ciências. Esta convicção vem desde a definição “um conjunto de conhecimentos constitui uma
tecnologia se, e somente se: (1) é compatível com a ciência contemporânea,
controlável pelo método científico e (2) é utilizada para controlar,
transformar e criar coisas ou processos naturais ou sociais.” Confirmada
numa observação complementar, segundo a qual “certas tecnologias novas, como a pesquisa operacional e a informática,
não têm nada em comum com a ciência, com exceção do método”. Carvalheiro
(2007) afirma que até concorda com a proposta central das autoras de
“estabelecer canais de interlocução contínuos, [...], contribuindo para a (re) construção
do intercampo de informação e informática em saúde (IIS)”. Apostar, como
enfatiza as autoras, sobretudo na transdisciplinaridade. Ou, ainda melhor, na
trans-sapiência que se serve não só de disciplinas científicas, mas também de
conhecimentos gerados em terrenos não propriamente científicos. As Autoras têm
a expectativa de que o controle social exercido pelo Conselho Nacional de Saúde
e, especialmente, a realização de uma “Conferência Nacional de Comunicação,
Informação e Informática em Saúde” poderão dar conta da fragmentação,
contribuindo para a composição do intercampo da IIS. Contudo, o debatedor não é tão otimista
quanto às autoras em relação a essa posição.
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