segunda-feira, 24 de setembro de 2012

FICHAMENTO 5


Fichamento de:

 NUNES, João Arriscado. As dinâmicas da(s) ciência(s) no perímetro do centro: uma cultura científica de fronteira? Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 63, 2002, p. 189-198.

No presente artigo o autor tem como objetivos equacionar as condições de translocalização e de globalização das ciências modernas, bem como as condições específicas da sua institucionalização e da atividade científica em Portugal que se situa “na semiperiferia do sistema-mundo”. Isso fica bem claro quando Nunes (2002, p.189) avalia que devido à condição de Portugal ser uma “[...] sociedade semipériferica integrada numa região central do sistema-mundo- a União Européia – [...]”. O artigo apresenta especificidades que são examinadas pelo autor por ser ainda um fenômeno recente no processo de criação e institucionalização de um sistema nacional de investigação e desenvolvimento e que figuram uma cultura científica de fronteira. De acordo com Nunes (2002, p.189-190): “O esquecimento da história das ciências, dos contextos sociais e culturais e dos conflitos em que elas emergiram teve três conseqüências importantes: em primeiro lugar, a eliminação da memória dos espaços e dos tempos específicos em que se forjaram as idéias, os instrumentos, as práticas e as instituições das ciências; segundo lugar, o esquecimento dos conflitos e das contradições e tensões que atravessaram a história das ciências, que tiveram na origem da sua ‘desunidade’ das continuidades e descontinuidades com outros saberes e modelos de conhecimento; e finalmente, a estreita relação que as ciências modernas, ocidentais mantiveram com dinâmicas de denominação social, económica e militar, que resultaram na marginalização, exclusão ou mesmo destruição de modos de conhecimento diferentes, radicados em experiências históricas distintas”. Ao forja-se uma imagem de unidade epistemológica e de modo privilegiado de acesso ao conhecimento do mundo natural e social, estas se transformaram “[...] a Ciência num dos meios mais poderosos de produção da globalização cultural no mundo contemporâneo, num dos terrenos mais importantes em que se enfrentam as dinâmicas contraditórias da globalização e da localização, da territorialização e da desterritorialização, num domínio em que configuram de modo muito visível as hierarquias e desigualdades que definem as diferentes ordens mundiais que se foram forjando ao sabor das transformações históricas dos últimos cinco anos” (NUNES, 2002, p.191). Na atualidade, a produção científica realiza-se em instituições e unidades de investigação científica e tecnológica que mantêm diversos vínculos e inter-relações com instituições governamentais responsáveis pela definição das políticas de investigação e desenvolvimento e pela distribuição dos recursos financeiros, e também em empresas ou laboratórios privados que definem os seus próprios objetivos e interesses. Muitas atividades que buscam nas as ciências sua legitimação social – como a medicina e engenharia – organizam-se em profissões numa base nacional.  Mas tanto as ciências quanto as profissões de base científica “[...] fazem assentar a sua autoridade na invocação da validade universal dos seus conhecimentos e procedimentos, uma validade sancionada pela participação em comunidades que transcendem as fronteiras dos Estados nacionais” (NUNES, 2002, p.191). A transnacionalização é, sem dúvida, um dos processos que mais bem definem a especificidade das actividades e profissões associadas à ciência e tecnologia. É importante reconhecer as especificidades dos processos de globalização das ciências quando confrontados com a transnacionalização e a globalização. Este processo de globalização da ciência não decorre de qualquer inerência da sua universalidade – isto é, da validade das suas proposições e procedimentos independente das circunstancias em que eles são acionados -, conforme o autor, é esse trabalho que permite, seguindo a tipologia dos modos de produção da globalização proposta por Boaventura de Sousa Santos (2001), descrever as ciências modernas, herdeiras da Revolução Científica, como um conjunto de criações situadas no tempo e no espaço e que se globaliza em virtude de sua translocalização. Para o autor, os processos de translocalização das ciências e do conhecimento e dos objetos científicos podem assumir, em primeiro lugar, a forma de translocalização das tecnologias através da reprodução do espaço material e competências técnicas que definem um determinado laboratório.  A globalização das ciências corresponderá à constituição de uma rede de laboratórios capaz de replicar e reproduzir de forma ‘robusta’ os mesmos procedimentos. Nunes (2002, p. 193) enfatiza que uma conseqüência desta definição será “a marginalização ou exclusão de formas alternativas ou locais de produção do conhecimento ou do próprio conhecimento que neles se produz, relegando-os para o domínio dos ‘outros’ desqualificados da Ciência”. Em segundo lugar, a translocalização passa pela formação e recrutamento de cientistas e técnicos credenciados que, mesmos na ausência de condições ideais, podem assumir uma posição uma posição de validar, marginalizar ou excluir aqueles que não possuem credenciais escolares, acadêmicas ou profissionais adequadas.   O autor deixa claro que a criação de instituições de formação – escolas, Universidades – é um aspecto fundamental desse processo. Nunes (2002), citando Latour (1987), Shapin e Schaffer (1985), destaca que a autoridade e a credibilidade da ciência são incorporadas em objetos impressos (manuais escolares, acadêmicos, periódicos especializados, etc.), eletrônicos (em meio digital e internet) ou de outro tipo de suporte de registro de informação, são caracterizados pela sua condição comum de “móveis imutáveis” (p.193). Nunes (2002) procura averiguar o modo como variações locais entre laboratórios são mediadas por diferenças nos meios sociais e culturais locais e nacionais em que os laboratórios se situam, em função da sua posição no sistema mundial da ciência. Em Portugal, as ciências exibem um conjunto especificidades históricas que são inseparáveis da condição semipériferica da sociedade portuguesa. Entre elas, uma forte heterogeneidade interna, expressa, nomeadamente, “nas fronteiras fluídas ou flutuantes entre disciplinas e domínios de investigação” (NUNES, 2002, p.194); a heterogeneidade das carreiras dos cientistas; o envolvimento desigual de grupos de instituições de pesquisa com as ciências transnacionais; a forte feminização (em termos relativos) de muitas áreas da investigação, em paralelo com dificuldades de acesso de mulheres aos lugares de topo das carreiras científicas e acadêmicas e aos cargos de direção de instituições de pesquisa e investigação e a acentuada dependência em relação a financiamentos oriundos de programas europeus. É no quadro dos processos de europeização” das ciências em Portugal que algumas das tensões que caracterizam a condição semiperiférica da sociedade portuguesa ganham maior visibilidade. O autor destaca que a integração européia teve dois tipos de conseqüências importantes, umas no domínio da policy for science, outras no da science for policy. Portugal, em relação à policy for science, criou um sistema Portugal de investigação em ciência e tecnologia. Em relação à science for policy, foram criados quadros normativos que obrigaram à produção de uma legislação nacional em áreas como o ambiente ou a genética humana, ou seja, foi criado um espaço de legitimação da intervenção ativa dos cidadãos. Nunes (2002) alerta que estas transformações ainda são frágeis. Os financiamentos para pesquisa e investigação continuam fortemente dependentes dos fundos europeus e o esforço do Estado português está muito aquém do esperado e desejado.  Finalizando, os estudos incluídos no livro Enteados de Galileu? (NUNES; GONÇALVES, 2001), identificam as condições históricas e contemporâneas dependência da Ciência em Portugal e de inserção de uma “sociedade semiperiférica nos mundos transnacionais da ciência” (NUNES, 2002, p. 195) e oferece uma reflexão sobre “esse espaço de fronteira” (p.197) como um espaço dinâmico de invenção e de inovação, de exploração de novos processos de produção de conhecimento mais críticos.

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