Fichamento
de:
MORAES, I. H. S.; GONZALEZ DE GÓMEZ, M. N. Informação
e informática em saúde: caleidoscópio contemporâneo da saúde. Ciênc. saúde
coletiva, Rio de Janeiro, v.12, n.3, p.553-565, jun. 2007.
CARVALHEIRO, J. R. Caleidoscópio sanitário. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v.12,
n.3, p.568-570, jun. 2007.
O ensaio
de Moraes e González de Gómez (2007) partindo do pressuposto da formação de
um intercampo de informação e informática em saúde na contemporaneidade,
composto por processos sócio-políticos e epistemológicos, pretende estudar as
possibilidades de uma ação informacional no campo da saúde, capaz de ampliar as
respostas do Estado na melhoria das condições de vida da população brasileira
(MARTELETO, 2007, p. 576). Este ensaio tem por objetivos aprofundar a
compreensão da gênese e dos determinantes desses limites e analisar
alternativas para sua superação que dependem menos de iniciativas pontuais
internas ao campo da informação e mais, dentre outras, da adoção de novos
referenciais, a começar pelo significado e conceito de Saúde. Conforme as
autoras, “o modelo político e econômico dominante, historicamente instituído,
expande as desigualdades entre padrões de qualidade de vida”. As desigualdades
sanitárias prevalentes entre as regiões, estados, cidades e mesmo intra-urbanas
impedem comemorações efusivas. Por outro lado, “o Sistema Único de Saúde (SUS)
alcançou avanços significativos em seus quinze anos de implementação”. Segundo
as autoras, a construção dom SUS é um marco na história do país por pressupor a
participação da sociedade nesse processo, através das Conferências e Conselhos
de Saúde e por preconizar a busca do consenso entre as esferas de governo,
configurando, nesse sentido, uma das mais avançadas política pública
brasileira, calcada na democracia participativa e emancipatória. Nesse período,
o SUS constituiu-se como um sólido sistema que ampliou o acesso da população
aos recursos de saúde, mas não o suficiente para superar a histórica e desigual
dívida sanitária. No cotidiano dos cidadãos, o direito universal à Saúde, com
eqüidade e qualidade, ainda está distante. Para as autoras, o processo
de (re)pensar a “informação e informática em saúde” deve levar em conta tanto a
gênese da atual práxis informacional desse campo, moldada pelos modos como
se concebem e se colocam em prática as políticas e ações de saúde ao longo do
tempo, quanto servir de aliado estratégico para a (re) construção das ciências
da saúde diante da complexidade dos processos concretos de saúde, adoecimento e
cuidados (MARTELETO, 2007, p. 576). As autoras, ao procurarem desvendar
a gênese da atual lógica organizativa das informações de interesse para a
Saúde, produzidas e geridas pelo aparato estatal, observam que a informação em
saúde surge de certo "pré-juízo" de sinais, sintomas, signos e
práticas relacionados ao processo de saúde/doença/cuidado que, em um
determinado contexto histórico, adquirem relevância política e social: “tornam-se
eventos que justificam seu monitoramento, sua visibilidade, sua vigilância
através de dispositivos de Estado no exercício de um biopoder”. As mudanças na
forma de lidar com a saúde/doença/cuidado vinculam-se às transformações
político-sociais e econômicas, inseridas na constituição do Estado Moderno, em
um crescente processo de urbanização e de organização da sociedade capitalista.
O Estado Moderno estabelece dispositivos de atuação voltados para a gestão da
vida, que permitem o exercício de um poder disciplinar que se expressa
capilarmente em todo o campo social, de um biopoder, que nasce imerso na
constituição de uma sociedade panóptica. As autoras identificam a existência
de um 'intercampo de informação e informática em saúde' que se consubstancia
tanto a partir de uma epistemologia que tenha por referencial a abordagem
transdisciplinar, quanto da consolidação de um processo político-histórico de
construção institucional, espaço portador de potência e relevância: intercampo
político-epistemológico. As opções sobre as tecnologias de informação
adotadas, resultantes da pressão do mercado de computação e de
telecomunicações, fariam parte desse cenário, e estariam em estado submerso nos
diferentes discursos e visões em disputa. Nesse sentido, a “informação em
saúde” e a sua expressão técnica - a “informática em saúde” faria parte de uma
“política epistemológica” presente nas enunciações oficiais e acadêmicas em
luta pela autoridade epistêmica. (MARTELETO, 2007, p. 576). Embora validado na
reflexão teórica das autoras, elas próprias reconhecem que o conceito de informação
em saúde evidencia um paradoxo, quando projetado no marco das modernas sociedades
do conhecimento e da informação. As autoras assumem como pressuposto que as atuais práticas e
saberes de Informação e Informática em Saúde não dão conta da complexidade dos
processos de saúde/doença/cuidado e dos problemas contemporâneos a serem
superados, constituindo-se em um dos limitantes para a ampliação da capacidade
de resposta do Estado brasileiro. As autoras propõem uma perspectiva
transdisciplinar, em primeiro momento, uma conversão do olhar na direção das
questões da informação e informática em saúde, enquanto intercampo de
conhecimento em construção (MARTELETO, 2007, p. 576). Finalizando,
a expectativa das autoras é que esse ensaio represente uma contribuição, em sua
provisoriedade, para que mais adiante outros avancem na construção de uma
'epistemologia da informação e informática em saúde', por ultrapassagens de
elaborações sucessivas, em uma dinâmica de maior aprofundamento e maturidade
epistemológica-política, em um diálogo permanente entre os diversos campos
científicos, as instituições científicas e de serviços de saúde nas três
esferas de governo e entre seus agentes: os cientistas, os profissionais, os
gestores e os conselheiros de saúde. Em relação ao debatedor, Carvalheiro
(2007) a reiterada menção que as autoras fazem à idéia de uma “política
epistemológica” exigiu um mergulho na “Épistémologie”, de Bunge. Contudo,
pareceu para Carvalheiro (2007) que Informação e Informática “tout court” (ou,
ainda com maior razão, “em saúde”) deveriam pertencer mais ao terreno das
tecnologias do que ao das ciências. Esta convicção vem desde a definição “um conjunto de conhecimentos constitui uma
tecnologia se, e somente se: (1) é compatível com a ciência contemporânea,
controlável pelo método científico e (2) é utilizada para controlar,
transformar e criar coisas ou processos naturais ou sociais.” Confirmada
numa observação complementar, segundo a qual “certas tecnologias novas, como a pesquisa operacional e a informática,
não têm nada em comum com a ciência, com exceção do método”. Carvalheiro
(2007) afirma que até concorda com a proposta central das autoras de
“estabelecer canais de interlocução contínuos, [...], contribuindo para a (re) construção
do intercampo de informação e informática em saúde (IIS)”. Apostar, como
enfatiza as autoras, sobretudo na transdisciplinaridade. Ou, ainda melhor, na
trans-sapiência que se serve não só de disciplinas científicas, mas também de
conhecimentos gerados em terrenos não propriamente científicos. As Autoras têm
a expectativa de que o controle social exercido pelo Conselho Nacional de Saúde
e, especialmente, a realização de uma “Conferência Nacional de Comunicação,
Informação e Informática em Saúde” poderão dar conta da fragmentação,
contribuindo para a composição do intercampo da IIS. Contudo, o debatedor não é tão otimista
quanto às autoras em relação a essa posição.
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